Artigo originalmente publicado no Jornal da Associação do Havaí de Pesquisa do Estilo Chen de Taijiqan, Vol. 5, No 1, 1999.
Disponibilizado por Marko em seu blog www.kuoshubr.blogspot.br
Mitos das Artes Marciais do Monastério Shaolin
Parte I: O Gigante com o Bastão Flamejante
Por Stanley Henning
Este artigo foi o primeiro de uma série feito para revelar as circunstâncias ao redor dos mitos associados com as Artes Marciais Chinesas e providenciar uma visão mais acurada do ambiente histórico em que as artes marciais floresceram na China durante os séculos.
A maioria desses mitos são relacionados ao papel do Monastério Shaolin, e eles tem exagerado a imagem do monastério fora da proporção de sua real importância. Como resultado, aparenta existir um equívoco de que as Artes Marciais Chinesas, especialmente o boxe, foram principalmente o produto de "...místicos monges marciais em seus monastérios nas montanhas..."{1}. Na realidade, nada poderia estar mais longe da verdade. As artes marciais são um aspecto das cultura popular chinesa muito difundida, e sua prática no Monastério Shaolin foi uma reflexão desse fenômeno na sociedade como um todo. Uma combinação única de fato e ficção associada com o monastério, no entanto, tem sido visto como o centro do foco para as Artes Marciais Chinesas em geral e a casa do boxe chinês em particular. Esta visão está distorcida ao seu máximo.
Invasões pelo Imperador Wei do norte em 44AD nos monastérios dentro e ao redor de Changan (agora Xian) que descobriu esconderijos de armas, indicam que os monges chineses provavelmente praticaram artes marciais antes do Monastério Shaolin ser fundado em 495 AD{2}. Em primeiro lugar, os monges vinham das fileiras de uma população entre as quais as artes marciais foram amplamente praticadas, antes da introdução do budismo. Em segundo, os monastério, assim como latifúndios, eram a fonte de uma riqueza considerável e necessitava de proteção, a qual teria que ser providenciada pela própria mão de obra do monastério. O Monastério Shaolin não era excessão a esse respeito.
A fama do Monastério Shaolin como berço dos monges guerreiros data de 605-618 AD, com o colapso da Dinastia Sui e a ascensão da Tang. {3}Uma tabuleta de pedra erguida em 628 AD e ainda em pé no chão do monastério relata que os monges primeiro repeliram um grupo de saqueadores, em um processo que o monastério sofreu considerável dano. Então, treze monges ajudaram a capturar Wang Shi-Chong, que era uma ameaça à nova dinastia. Este último ato salvou o monastério de sua dissolução, que foi o destino de outros monastérios naqueles tempos, e pavimentou o caminho da associação especial do Monastério Shaolin com as artes marciais, no entanto, não existe qualquer registro de alguma arte marciail específica até o século 16.
Durante o longo período entre 628 e 1517, não existe nem mesmo um único registro histórico dando pistas de que artes marciais eram praticadas no Monastério Shaolin, então, apesar do desfile de famosos visitantes que escreveram suas impressões para a posteridade durante o mesmo período. Em outro lugar, no entanto, existem registros do sacrifício heróico do monge Zhen Bao, quando ele tentou defender o Monte Wutai em Shanxi, contra uma força de Jin (c. 1126), e cita outro monge, Wan An, da Província de Jiangsu, como tendo dito: "Em um tempo de perigo eu preencho os deveres de um general, quando a paz vem eu volto a ser um monge" (c. 1275){4} Então, em 1517, após quase 1000 anos de silêncio, os Monges Shaolins ergueram uma tableta de pedra em honra ao espírito de King Jiannaluo, que dizem ter transformado ele mesmo de um cozinheiro ordinário em um gigante feroz brandindo um bastão flamejante para assustar um grupo de saqueadores do rebeldes do Turbante Vermelho (c. 1351).
Segundo este incidente alegado, o Bastão Shaolin se tornou uma arte marcial amplamente reconhecida, e, pode-se ler uma série sobre práticas de artes marciais lá, registradas pelos visitantes do monastério durante o século 16. Também, do Ming até a maior destruição do edifício do monastério em 1928, existia um hall dedicado a imagens do King Jinnaluo.
A história de King Jinnaluo ainda pode ser vista em murais na parte de trás a direita da parede do Hall da Túnica Branca do Monastério Shaolin. Contradizendo sua história, no entanto, existem outros registros oficiais do monastério, discretamente ignorados pelos monges Shaolins e outros durante os séculos, revelando que o monastério tinha sido na verdade invadido no final de Yuan (c. 1357-59), com metade de seus edifícios destruídos e seus residentes expulsos para outras localizações até que fosse seguro retornar diversos anos mais tarde. {5}
Apesar de ser difícil provar conclusivamente, aparentemente pelo cenário acima, os Monges Shaolins usaram a colorida história de King Jinnaluo para desviar a atenção da sua embaraçosa realidade de que eles teriam, ao contrário de Zhen Bao e seus seguidores no Monte Wutai, abandonaram o monastério em face da derrota. Este assunto aparentemente nunca tinha sido levantado, até o historiador pioneiro chinês, Tang Hao (1897-1959) pesquisou isso. {6} Apesar disso, mesmo hoje, a maioria do escrito em chinês e em outras línguas invariavelmente negligenciam completamente ou inconscientemente esta informação, desviando essa informação ainda para mais longe citando "histórias" ficcionais de sociedades secretas, clamando que o monastério teria sido queimado totalmente por oficiais de Qing (outro mito).
É possível que a estória do gigante com um bastão flamejante seja meramente uma descrição embelezada do incidente que realmente aconteceu no monastério antes da sua destruição. Mas, apesar das circunstâncias exatas que criaram o mito, foi criada para servir como um aviso aos monges para manter a atitude de "vigilância mesmo em tempos de paz", assim como uma mensagem psicológica para frustrar potenciais transgressores. Em outras palavras, o mito era tão importante quanto a realidade para defender o monastério.
Como Monastério Shaolin ficou amplamente conhecido por sua técnica de Bastão Shaolin durante a Dinastia Ming provavelmente é melhor explicado como o resultado da má experiência dos monges durante o final de Yuan. Eles se determinaram a nunca mais serem colocados em tal situação embaraçosa e reforçaram seriamente seu treinamento em artes marciais. Sua fama como "Monges Shaolins Soldados" alcançou seu ápice nas operações anti pirataria durante meados de 1500; esta fama, no entanto, realmente descansou sobre os louros de alguns indivíduos e incidentes, ou uma combinação de mito e realidade.
O General Yu Da-You (1503-1580) visitou o monastério uma vez e ficou desapontado com o que viu, então seleciou um grupo de jovens monges que o acompanharam no campo, receberam treinamento intensivo, e retornaram para levantar o padrão de seus compatriotas. {7} Cheng Zong-You (1561-?), que escreveu o manual ilustrado do bastão, lança, espada japonesa e besta, clamou ter despendido 10 anos estudando bastão no monastério, mas considerou apenas poucos nomes de professores que eram dignos de serem mencionados. Um deles, o monge Hong Zhuan, estava em seus 80 anos na época, então Cheng estudou sob um de seus melhores estudantes, Guang An. {8} As técnicas de lança de Hong Zhuan foram preservadas nos Registro de Arma por Wu Shu (1611-1695). Eles revelam a possível influência da visita do General Yu ao monastério em sua explicação da "suavidade" e "estocada" ou "mergulho" da lança. {9}
Ao pesquisar as circunstâncias históricas em torno da qual o mito surgiu, em vez de meramente relacionar o mito propriamente dito, podemos entender melhor o real papel das artes marciais na sociedade chinesa daquele tempo. As artes marciais eram as armas do período e foram usados pelos militares para defender as fronteiras da China, e os monges do Monastério Shaolin para defender seu monastério, e outros para variados propósitos. A fama do Bastão Shaolin floresceu com as cinzas do desastroso incidente, que foi jogado para a obscuridade por um mito colorido de um gigante com um bastão flamejante.
Notas
1. Henning, Stanley E., "The Chinese Martial Arts in Historical Perspective," Military
Affairs (now Journal of Military History), December 1981, p.173.
2. Wei Shou 魏收, Wei History 魏書, Shanghai: Zhonghua Shuju, 1936, juan 114, p.
6a.
3. Tang Hao 唐豪 Shaolin Wudang Research 少林武當考 (Shaolin Wudang Kao),
1930, Hong Kong: Unicorn Press, 1968.
4. Li Chi, trans., The Travel Diaries of Hsu Hsia-K'o, The Chinese University of
Hong Kong, 1974, note 17, pp.253-4.
5. Matsuda Ryuji 松田隆智, An Outline of Chinese Martial Arts History 中國武術史略
(Zhongguo Wushu Shi Lue), trans. Lu Yan and Yan Hai, Sichuan Science and
Technological Press, 1984, pp.47-51.
6. Ibid.
7. Yu Dayou俞大猷, Anthology from the Hall of Uprighteousness 正氣堂集 (Zheng
Qi Tang Ji), 1566, Boshanjingshe, 1934, Continuation juan 2, pp.7a-8a, 10b.
8. Cheng Zongyou 程宗猷, (Chongdou 沖斗), Explanation of Shaolin Staff
Methods 少林棍法闡宗 (Shaolin Gunfa Chanzong), c.1621, Taibei: Hualian Press,
1975, pp.2-3.
9. Wu Shu 吳殳, Record of the Arm 手臂錄 (Shou Bi Lu), in Zhihai, 1846 (1935
edition, Vol 33-40), Addended juan, pp. 8b-10a.
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